Espalhar-se ao comprido
Não posso cair hoje. Choveu e a calçada está molhada, escorregadia e perigosa.
Sou uma quinquagénaria, afinal - sabe-se lá que mazelas podem vir de uma queda mal dada. Irresponsável, escolho muitas vezes os caminhos que por ela faço. Porque esta lição, a bem da verdade, não sei se quero aprender. Os passeios assim, são tão melhores que os que existem a cimento, planos, aderentes, sem buracos e sem riscos. Apesar das maleitas, dos arrependimentos temporários, dos gessos e das dores, que sempre passam, dizem. Quase tudo passa sempre um bocado.
Sigo como uma turista na minha cidade, já o fazia antes dos cafés da modinha, dos visa gold, do surf, dos preços acima das minhas possibilidades. E, também como uma turista passeio-me na minha vida: vejo as vistas, pago para viver extravagancias, sou grata pelo sol. Como se tivesse uma bilhete de partida no terminal 2, como se fosse só desta vez, como se tivesse dinheiro para isso, como se ninguém me conhecesse aqui.
Como se não me tivesse esquecido que o elixir da juventude está na exaltação da queda, ou da sua possibilidade. Na recusa desta aprendizagem do seguro e do sensato. Da protecção e do conforto.
Não é sempre, mas, às vezes, nos dias de maior inspiração, quando vejo uma oportunidade de cair, sorrio e lanço-me no precipício, ou no buraco no meio do passeio, logo a seguir ao Opel Corsa mal estacionado. Por vezes, dou esse passo em falso, e ao longo da queda tenho dúvidas, será mesmo razoável esta forma de vida?
Quando, finalmente, me espalho ao comprido, percebo que só assim sinto que estou a viver. Algures entre o voo da queda e o duro que pode ser a realidade. Alguns dias em carne viva. Aquela máxima do sangue, suor e lágrimas.
Arriscar, como se fosse a primeira vez, como se fosse uma adolescente com conhecimento de causa e dores no joelho. A repetição não existe, quando teimamos na vida. O rio nunca é o mesmo, não é ?
Expectativas altas e sem prestar muitas contas à dignidade. No final, saber que ao menos vivo. No máximo, tropeço. E nunca aprendo.
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